2 de setembro de 2009

Impactos da Mudança Climática no Nordeste I

O aquecimento global poderá provocar uma mudança significativa no mapa da agricultura brasileira, gerando a redução de áreas produtoras e prejuízos econômicos de cerca de R$ 7,4 bilhões em 2020 e de R$ 14 bilhões em 2070. Os resultados fazem parte do estudo “Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira”, que avalia o impacto do aumento da temperatura sobre a agricultura em 2020, 2050 e 2070. A pesquisa avaliou as seguintes culturas: algodão, arroz, feijão, café, cana-de-açúcar, girassol, mandioca, milho e soja.

Coordenado por Hilton Silveira Pinto, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Universidade de Campinas (Unicamp), e Eduardo Delgado Assad, da Embrapa Informática Agropecuária, o trabalho contou com a colaboração de 19 pesquisadores e com o apoio da Embaixada do Reino Unido.

O estudo avalia que, se nada for feito para mitigar os efeitos das mudanças climáticas ou adaptar as culturas para a nova situação, deve ocorrer uma migração da produção agrícola para regiões que hoje não são de sua ocorrência em busca de condições climáticas melhores. Os autores, todavia, lembram que a agricultura pode ter um papel importante na mitigacao e na adaptacao aos impactos das mudanças climáticas.

Metodologia do trabalho - O trabalho foi feito com base na tecnologia de Zoneamento de Riscos Climáticos uma política pública que orienta toda a estrutura de crédito agrícola do Brasil, uma vez que informa qual o nível de risco de mais de 5.000 municípios brasileiros para as culturas mais comuns do país.

A partir do zoneamento de 2007 para essas culturas, foram simulados os cenários agrícolas do Brasil para 2010 (representação mais próxima das condições atuais), 2020, 2050 e 2070, diante das perspectivas de aquecimento global. Para isso, foram consideradas as projeções de aumento de temperatura do quarto relatório de avaliação do IPCC divulgado no ano passado. Para realizar o estudo, os pesquisadores adotaram os cenários A2 - o mais pessimista, que estima um aumento de temperatura entre 2°C e 5,4ºC até 2100 - e o B2 - um pouco mais otimista, que prevê um aumento de temperatura entre 1,4°C e 3,8ºC em 2100.

Com essas temperaturas, os pesquisadores do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos), órgão ligado ao INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), simularam os cenários climáticos futuros no Brasil. Ou seja, como estará o clima de cada município do país em 2020, 2050 e 2070 nos dois cenários.

Nova geografia da produção - Nesta nova geografia prevista para a agricultura brasileira, o Nordeste sofrerá um forte impacto com o aumento das temperaturas. Toda a área correspondente ao agreste nordestino, hoje responsável pela maior parte da produção regional de milho, e a região dos cerrados nordestino – sul do Maranhão, sul do Piauí e oeste da Bahia, onde predomina o cultivo da soja – poderão ser as mais atingidas, enquanto a mandioca corre o risco de desaparecer do Semi-Árido nordestino.

No Sudeste, o aquecimento do clima vai afetar principalmente o café, que terá poucas condições de sobrevivência nesta área. Por outro lado, a região Sul, que hoje é mais restrita às culturas adaptadas ao clima tropical por causa do alto risco de geadas, deverá se tornar propícia ao plantio da mandioca, de café e de cana de açúcar, mas não mais de soja.

Já alguns locais do Centro-Oeste, que apresentam um alto potencial produtivo, devem permanecer como áreas de baixo risco, porém cada vez mais dependentes de irrigação complementar no período mais seco.

A soja, principal produto agrícola exportado pelo país, com produção de cerca de 52 milhões de toneladas/ano e valor de produção de R$ 18,4 bilhões, conforme dados de 2006 do IBGE, poderá sofrer uma perda econômica de R$ 4 bilhões em 2020, resultado de uma redução de quase 24% da área apta para plantio no Brasil. As perdas podem chegar a R$ 7,6 bilhões em 2070, decorrente de uma diminuição de 40% da área apta para o plantio. A região que mais deve sofrer os impactos é a região Sul.

Tomando como base a produção brasileira de café, de cerca de 2,5 milhões de toneladas e valor de produção de R$ 9,3 bilhões, segundo dados de 2006 do IBGE, o aquecimento global deve trazer prejuízos para a cultura de pelo menos R$ 882 milhões em 2020, com uma queda de área apta ao plantio de 9,48%. No cenário mais pessimista (A2) – a queda de área de baixo risco atinge 33% em 2070, o que representa um prejuízo de R$ 3 bilhões. Atualmente, o Estado de maior produção de café no Brasil é Minas Gerais, seguido pelo Espírito Santo, Bahia, São Paulo e Paraná. Entretanto, com as mudança climáticas previstas, é possível que o café não tenha muita chance de sobreviver no Sudeste, migrando para a região Sul.

A previsão para a mandioca é que o aumento da temperatura não será vantajoso para a cultura em todo o país. Em torno de 2020, o Semi-Árido nordestino deverá deixar de ser um local de baixo risco e outras regiões ainda não estarão quentes o suficiente para seu cultivo. A perda de área da mandioca deve ser de 3,1%, com um prejuízo de R$ 137 milhões. Nas décadas seguintes, a situação melhora para a raiz, que encontrará áreas mais favoráveis no Sul do país por conta da redução do risco de geada e na Amazônia, pela diminuição do excedente hídrico. O aumento da área apta começa com 7,29% em 2050, chegando a 16,61% em 2070, no cenário B2. No cenário A2, o avanço da área chega a 13,49% a mais em 2050 e 21,26% em 2070, com ganhos de R$ 589 milhões a R$ 929 milhões.

Com produção de cerca de 11,5 milhões de toneladas registrada em 2006 pelo IBGE, o arroz é considerado uma cultura de alto risco devido à extrema sensibilidade às variações climáticas. Atualmente, a maior produção do arroz se encontra em regiões com níveis de chuvas mais propícios, em especial no centro-norte do Mato Grosso. Para 2020, o arroz poderá ter um prejuízo de R$ 417 milhões e uma redução em sua área apta para o plantio de quase 10% nas áreas produtoras. Em 2070, as perdas deverão estar em torno de R$ 600 milhões nos dois cenários.

Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a safra brasileira de feijão em 2006/2007 foi de 3,52 milhões de toneladas, praticamente estável em relação à safra anterior. Usando esses dados como referência, a perda prevista deverá ser de R$ R$ 155 milhões, em decorrência de uma redução de 4,3% de área apta ao plantio em 2020, podendo chegar a prejuízos de R$ 473 milhões, com redução da área de baixo risco de até 13,3%. A queda deverá ser maior na região Nordeste.

Área potencial da cana pode aumentar - Das culturas avaliadas, a cana de açúcar deverá ser a mais favorecida até o final do século XXI. A cultura, que hoje conta com uma área plantada de cerca de 6 milhões de hectares, terá uma área potencial de 17 milhões de hectares em 2020 no cenário B2 Com essa expansão, o valor da produção, que em 2006 era de quase R$ 17 bilhões, poderá subir para R$ 29 bilhões em 2020 no B2.

Áreas do Sul do Brasil, hoje com restrições ao cultivo da cana, podem se transformar em regiões de potencial produtivo dentro de 10 a 20 anos. Locais do Centro-Oeste, que hoje apresentam um alto potencial produtivo, devem permanecer como áreas de baixo risco, porém serão cada vez mais dependentes de irrigação complementar no período mais seco. Com o aumento da temperatura nas décadas seguintes, a cultura precisará mais de irrigação, e a área total deve cair para 15 milhões de hectares até 2070 no cenário B2, diminuindo o rendimento para R$ 24 bilhões.

Já no A2, a cana deverá ter uma área potencial de 16 milhões de hectares, decrescendo para 13 milhões até 2070. Neste cenário, o valor da produção pode subir para R$ 27 bilhões em 2020, regredindo para R$ 20 bilhões em 2070.

Soluções - De acordo com o professor Eduardo Assad, “o estudo permitiu identificar de que maneira a agricultura brasileira poderá ser atingida pelas mudanças climáticas. No primeiro momento, a situação poderá ser muito difícil de ser contornada. Entretanto, em função do grande conhecimento que o país tem hoje em relação às tecnologias em agricultura tropical, soluções biotecnológicas poderão ser adotadas para contornar os impactos nos próximos 20 anos”.

Para os pesquisadores da Embrapa e da Unicamp, métodos alternativos de lidar com a agricultura e a pecuária podem reduzir as emissões do setor e ajudar até mesmo a tirar da atmosfera os gases de efeito estufa, ajudando a diminuir o problema.
“Paralelamente a isso, e visando reduzir as emissões de gases de efeitos estufa, ações de mitigação podem ser imediatamente adotadas, como a redução das queimadas e do desmatamento, adoção de práticas agrícolas altamente eficientes no seqüestro de carbono como o plantio direto, e a integração lavoura e pecuária”, comentou o professor Hilton Silveira Pinto. Essas ações de mitigação, segundo ele, são talvez o maior diferencial que o Brasil tem hoje face as questões das mudanças climáticas. “O Brasil é um dos poucos, senão o único país do mundo com área e tecnologia capazes de ter escala na redução das emissões de gases de efeito estufa”, complementou.

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